Rosa Muñoz Lima | Gabriel Gonzálezhá – Deustche Welle
Quatro meses após a maior manifestação antigoverno em décadas, autoridades cubanas cercam casas de ativistas, frustram novos protestos nacionais e voltam a dizer que EUA estão por trás dos atos oposicionistas.
Cuba teria muitas razões para celebrar nesta segunda-feira (15/11). Após meses de escolas fechadas devido à pandemia de covid-19, os alunos estão de volta às salas de aula. Ao mesmo tempo, turistas retornaram pela primeira vez à ilha após quase dois anos de fronteiras fechadas. E Havana celebrou seu 502º aniversário com coloridas festas de rua.
Mas um chamado a protestos nacionais contra o governo alarmou as autoridades cubanas. Quatro meses atrás, durante as manifestações de 11 de julho, as maiores em décadas no país, cidadãos expressaram seu descontentamento com a pior crise econômica em 30 anos e a consequente escassez de eletricidade e comida. Os atos acabaram com um morto, 12 feridos e 1.270 detidos. Destes, 658 ainda estão sob custódia, segundo a organização de direitos humanos Cubalex.
Cerco à imprensa
A plataforma Archipiélago, criada no Facebook pelo dramaturgo e ativista Yunior García Aguilera após os atos de julho, convocou novos protestos em várias cidades para este 15 de novembro. O grupo pedira permissão meses antes para realizar a chamada Marcha Cívica pela Mudança, mas as autoridades rejeitaram o pedido e proibiram as manifestações.
À medida que a data se aproximava, a repressão do governo se intensificava. E com sucesso: com uma presença policial massiva e detenções direcionadas, foi aparentemente possível frustrar os planejados protestos em massa.
De acordo com a organização internacional de direitos humanos Artigo 19, voltada para a liberdade de imprensa, as forças de segurança impediram vários profissionais da mídia e figuras da oposição de deixar suas casas nos últimos dias, cercando-as de agentes.
No sábado, o credenciamento de todos os funcionários da agência de notícias espanhola Efe foi retirado. O veículo publicara uma entrevista com o organizador García Aguilera alguns dias antes.
A organização de direitos humanos Repórteres sem Fronteiras teme novas represálias contra jornalistas nacionais e internacionais em Cuba. Em julho, 15 jornalistas foram ameaçados, atacados, presos ou colocados sob prisão domiciliar durante os protestos ou logo depois, segundo informou a organização em Berlim.
A justificativa do governo
As autoridades cubanas proibiram os protestos desta segunda-feira sob a justificativa de que se tratava de um atentado ao sistema socialista, que está “irrevogavelmente” ancorado à Constituição de Cuba. O governo inclusive ameaçou processar o Facebook por hospedar em sua plataforma “grupos privados” que “conduzem atividades ilegais”.
Além disso, o governo convocou diplomatas creditados na ilha para reforçar a eles a mensagem divulgada na mídia estatal de que os atos antigoverno não passam de uma campanha de desestabilização realizada pelos Estados Unidos.
“Não há oposição independente ao nosso governo”, a convocação dos atos de 15 de novembro foi “uma operação organizada a partir de centros de poder nos Estados Unidos” e “com uso de agentes internos recrutados, treinados, financiados e dirigidos pela Embaixada dos EUA em Havana”, disse o governo cubano aos diplomatas em reunião na semana passada.
“Portanto, ninguém vai estragar nossa celebração”, alertaram e reiteraram o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, e seu ministro do Exterior, Bruno Rodríguez.
Questionada sobre sua reação às alegações do governo, a ativista Saily González, da plataforma Archipiélago, foi sucinta ao responder, em conversa com a DW: “Minha resposta é abrir a geladeira [vazia] da minha casa.”
Daniela Rojo, uma poeta de 26 anos e mãe solo de duas crianças que moderou a conversa a partir de Guanabacoa, um subúrbio de Havana, disse: “Eu sequer tenho cigarros.”
Sem liberdade de opinião
A DW não conseguiu falar com o fundador e figura mais famosa da plataforma de protestos, Yunior García Aguilera. O telefone e a internet dele foram cortados, e sua casa está sob vigilância da segurança estatal, confirmou Rojo.
“O governo cubano acusa qualquer um que pensa diferente de estar a serviço de um governo estrangeiro. Ele não quer reconhecer que há uma oposição em Cuba, porque não quer sentar e conversar com os cubanos. Mas com seu arqui-inimigo, o governo dos EUA, ele poderia. O governo diz que os problemas devem ser resolvidos internamente, mas não há espaço para participação, para diálogo, e isso é completamente contraprodutivo”, diz a advogada Laritza Diversent, da organização de direitos humanos Cubalex, em entrevista à DW.
Daniela Rojo espera que, apesar da repressão das autoridades cubanas e da onipresença da propaganda veiculada pelos meios de comunicação estatais, outra mensagem seja ouvida: “Que a situação em Cuba é insustentável. Que não podemos continuar a explicar tudo que está errado neste país com as sanções americanas. Que o trabalho do governo é claramente inadequado”, afirma.
“Precisamos nos dar a oportunidade de viver em um país democrático onde todos têm o direito de dizer o que pensam e o que querem para seu país.”
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