Em audiência na Câmara, ministro da Economia do governo Bolsonaro admitiu que criou empresa em paraíso fiscal para driblar impostos nos EUA.
Fonte: Deustche Welle
O ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, admitiu nesta terça-feira (23/11) ter usado sua empresa offshore nas Ilhas Virgens Britânicas para driblar impostos cobrados nos Estados Unidos. Em depoimento nesta terça-feira à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, ele disse que a empresa chamada Dreadnoughts é totalmente legal. Entretanto, a prática de driblar impostos através de offshores faz com que a taxação de tributos seja evitada também no Brasil.
Documentos revelados por diversos veículos de imprensa no início de outubro – os Pandora Papers – lançaram luz sobre uso de paraísos fiscais por políticos e empresários para escapar de impostos e ocultar riqueza. O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) que analisou centenas de documentos em parceria com 149 veículos de comunicação, revelou que cerca de 2 mil brasileiros são sócios de empresas abertas em paraísos fiscais.
Entre estes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, empresários bolsonaristas investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o financiamento de redes de disseminação de notícias falsas, como Luciano Hang e Otávio Fakhoury, além de Guedes, sua esposa e filha.
O ministro, que chefia a pasta à qual está subordinada a Receita Federal, responsável pela arrecadação de tributos e atuações fiscais, admitiu que abriu a Dreadnoughts em 2014. Segundo as reportagens, a offshore tinha patrimônio de 8,5 milhões de dólares (R$ 48 milhões) e segue ativa. Os recursos repassados à empresa, segundo Guedes, seriam destinados a investimentos em ações americanas.
Offshore garante herança livre de impostos
O envio dos recursos à empresa foi feito entre 2014 e 2015, afirmou o ministro. Ele disse que seguiu a recomendação de conselheiros, como uma forma de evitar impostos nos EUA no caso de sua morte. “Se você tiver uma ação no nome da pessoa física e falecer, 46% é expropriado pelo governo americano”, disse aos deputados, para justificar a abertura da empresa. “Então, se você usar offshore, você pode fazer esse investimento. Se você morrer, em vez de ir para o governo americano, vai para a sucessão.” O ministro confirmou ter se desligado da offshore, mas disse que seus familiares continuam associados à empresa.
As leis americanas taxam em quase 50% os recursos de pessoas físicas repassados a herdeiros. Já no Brasil, a cobrança do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) pode ser de até 8%. Ter empresas offshores é permitido pela legislação brasileira, desde que elas sejam declaradas à Receita Federal e, caso o patrimônio delas supere 1 milhão de dólares, também ao Banco Central. Em geral, as empresas são registradas em paraísos fiscais como as Ilhas Virgens Britânicas e o Panamá por escritórios especializados em oferecer esse serviço, e não precisam recolher impostos a esses países nem são alvo de auditoria contábil. As contas dessas empresas, porém, ficam em bancos de nações mais estáveis, como na Suíça.
Especialistas acreditam que esses investimentos alimentam a desigualdade no mundo ao redirecionar recursos que poderiam ser usados para outras finalidades.
A revelação sobre a offshore de Guedes teve grande repercussão em Brasília. Deputados e senadores de diversos partidos apontaram possível conflito de interesse na manutenção de uma offshore ativa pelo ministro.
Conflito de interesses
O possível conflito de interesses se dá pelo fato de Guedes ter participado, como ministro, de decisões que afetam as empresas offshore.
Segundo o artigo 5º da Lei do Conflito de Interesses, o ocupante de cargo federal está impedido de agir “em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão”.
Guedes tomou decisões associadas às offshores no Conselho Monetário Nacional (CMN), que afrouxou a exigência de declaração dos recursos no exterior às autoridades. Ele disse que isso não o afetou porque o patrimônio dele na empresa supera os novos limites estabelecidos.
O CMN também ampliou possibilidades de investimentos de offshores, decisão da qual Guedes também participou. O ministro tem um dos três votos no CMN; os outros dois são se um de seus subordinados e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que também possui duas empresas offshores citadas nos Pandora Papers.
“Mil vezes não”
Guedes também admitiu não ter declarado à Comissão de Ética da Presidência da República informações sobre o envolvimento de seus parentes na offshore. Ele afirmou que isso não seria exigido pela chamada Declaração Confidencial de Informações (DCI). Ele chamou de “covardia” e “narrativa política” as acusações de que teria omitido essas informações.
Segundo afirmou, a pergunta da DCI seria sobre se “o declarante possui cônjuge ou parente até terceiro grau que atue em área ou matéria afins à competência profissional ou cargo que exerço como ministro. A resposta é não. Não, não e não”, afirmou. “Existe algum conflito de interesse? A resposta é não e será mil vezes não.”
Ele argumentou que essa informação já consta no registro da empresa, e que declarar á DCI o envolvimento de sua mulher ou sua filha seria uma “obviedade”
Comissão de Ética da Presidência relatou que, após analisar a DCI do ministro, fez recomendações para mitigar e evitar conflitos de interesses, mas não especificou quais seriam estas.
rc (ots)
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