Fonte: Deustche Welle
Em sua provável despedida do palco da UE, chanceler alemã tem novamente que atuar como pacificadora na disputa com Varsóvia. Membros do bloco discordam sobre políticas energética e climática. Ela participou de mais de 100 cúpulas em Bruxelas, e esta deve ser a última. E na provável despedida, Angela Merkel tem que novamente assumir seu papel de pacificadora de crises europeias no qual já tem 16 anos de experiência.
Será particularmente difícil, no entanto, porque a disputa com a Polônia em torno do Estado de direito afeta os fundamentos da UE: “O Estado de direito faz parte do cerne da UE”, disse ela no início do encontro, acrescentando ser necessário encontrar maneiras para se chegar a um acordo nessa questão. Mas a impressão que se tem é que os dois lados estão se distanciando ainda mais.
Dureza polonesa
Observadores de longa data se sentem transportados de volta aos anos em torno de 2004, quando a Polônia negociava a adesão à UE, e o então premiê Jaroslaw Kaczinski negociava de forma tão implacável que chefes de governo irritados precisaram de incontáveis reuniões noturnas para conseguir costurar acordos. Agora, Kaczinski oficialmente se encontra na segunda fileira do governo em Varsóvia, mas seu primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki, está sendo igualmente duro em Bruxelas. “Não concordamos com as competências cada vez maiores das instituições da UE”, disse o chefe de governo no início do encontro, acusando o bloco de querer decidir sobre coisas a que não tem direito.
E o fato de ele ter ressaltado desejar encontrar soluções pouco ameniza a gravidade dessa disputa. Pois ao mesmo tempo, também avisa que a Polônia, nessa questão, não se submeterá a chantagens. É assim que ele chama a ameaça da UE de suspender a transferência de fundos europeus a seu país. O chefe do governo polonês já havia deixado sua posição mais do que clara no Parlamento Europeu no início da semana. Ele defendeu a decisão do Tribunal Constitucional polonês, que negou a primazia do direito da UE sobre o direito nacional. O polonês afirma que a UE apenas tem algo a dizer nas áreas do direito em que os Estados-membros lhes tenham transferido especificamente esta competência. Morawiecki está, portanto, negando ao Tribunal Europeu de Justiça o poder de julgar a disposição democrática dos membros da UE.
E, como esperado, a Polônia está recebendo apoio da Hungria. “Forjamos uma aliança e lutamos juntos”, disse o primeiro-ministro Viktor Orbán, o padrinho das chamadas “democracias iliberais” na Europa Oriental, sublinhando que a Polônia “é um bom país, contra o qual não devem ser impostas sanções”. Orbán afirmou também que a linha divisória na Europa está entre países com e sem razão e que a briga com a Polônia é uma “caça às bruxas”.
Países se envolvem na briga
O premiê holandês, Mark Rutte, entrou de cabeça na briga com os europeus do leste. “Temos que ser duros em relação à Polônia”, disse ele no início do encontro. “A única questão é como chegar lá”, afirmou, ressaltando ser preciso conversar sobre a independência do Judiciário polonês. “É difícil ver como um grande e novo fundo financeiro possa ser acessível à Polônia sem esta questão ser esclarecida”, ponderou. A Polônia pode esperar cerca de 20 bilhões de euros do fundo de recuperação pós-pandemia. E a questão é como a UE pode controlar a distribuição desse dinheiro enquanto a Polônia só permitir a atuação de juízes leais ao regime.
O primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo, também avisou à Polônia que é necessário seguir as regras quando se é membro de um clube. O primeiro-ministro irlandês, Micheal Martin, se mostra desapontado com o desenvolvimento da disputa com a Polônia e diz esperar por uma solução.
Já a França, o segundo ator mais poderoso da UE, está se mantendo discreta, por enquanto. Antes do início da cúpula, o presidente francês, Emmanuel Macron, teve um encontro a dois com o premiê polonês e apelou publicamente por uma solução em conformidade com os princípios europeus. Antes do início da presidência francesa, em 1° de janeiro, ele possivelmente não deseja um atrito aberto com a Polônia sobre o Estado de direito. Em qualquer caso, esta é uma crise que Merkel deixará a seu sucessor, que terá que provar já de cara o horror de fissuras tão profundas na Europa.
Ameaça de Polexit?
O primeiro-ministro polonês rejeita com indignação a suposição de que seu país queira deixar a UE. Mas, dada a nitidez e a profundidade da cisão, os observadores falam da maior crise da UE desde o Brexit. Por ocasião da reunião de cúpula, a eurodeputada conservadora polonesa e ex-comissária da UE Danuta Huebner alerta, em entrevista a um jornal, ser plenamente possível se chegar a uma situação “em que haverá um referendo ou que o governo mude o sistema jurídico e proponha ao parlamento uma eleição sobre a adesão à UE”. Politicamente, o governo polonês já deu as costas à UE.
Piotr Buras, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês), também teme que o comportamento da Polônia possa mudar a natureza da UE e minar seus alicerces. “Este é um teste sobre se um sistema jurídico em que não há independência do Judiciário pode ser tolerado na UE”, afirma, acrescentando que a Europa deve agir com rigor “antes que seja tarde demais”. O especialista lembra que o governo polonês está prestes a apresentar novos projetos de lei ao parlamento, incluindo um polêmico projeto de lei sobre os direitos LGBTQ que gerará mais polêmica com a UE.
Atritos sobre política energética e clima
Para estragar completamente o clima, Mateusz Morawiecki também questionou o pacote climático da UE na cúpula e pediu que os consumidores não sejam sobrecarregados com os custos da neutralidade climática em vista do aumento dos preços da energia. A Polônia continua a produzir muito carvão e deixa que a UE pague com enormes quantias pela sua lenta despedida dos combustíveis fósseis. É possível que Varsóvia também queira desatar este pacote.
De um modo geral, muitos países da UE desejam atualmente proteger os seus cidadãos do aumento dos preços da energia, mas a UE sugere que isso seja feito individualmente, através de ajuda social, como já é praticado em Espanha ou França, por exemplo. Propostas mais amplas como da Espanha, por exemplo, para compra conjunta de energia pela UE ou a criação de instalações conjuntas de armazenamento central, são aprovadas pelas nações do sul da Europa, mas rejeitadas pela Alemanha, entre outros. Berlim já tem sido relativamente bem abastecida com contratos de fornecimento de longo prazo, enquanto outros sofrem com os drásticos aumentos de preços.
No entanto, estes são desacordos normais na UE que podem ser resolvidos. A política energética é uma questão dos países-membros, mas com a ajuda da “cooperação reforçada” na UE, grupos de membros podem cooperar mais estreitamente se quiserem fortalecer seu poder de mercado em relação à Rússia, por exemplo.
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