Por José Carmo*
Setembro encerrou em linha com nossas expectativas de intensa volatilidade cambial. Durante o mês a moeda chegou a ser cotada acima de R$ 5,43 o maior patamar dos últimos 5 meses sendo uma valorização de 5,6%.
EUA
O comportamento da cotação refletiu os temores sobre a inflação nos EUA que pode levar o FED (Federal Reserve, o banco central americano) a antecipar o processo de redução do programa de estímulos econômicos. Para Jerome Powell, presidente da instituição, os atuais níveis de inflação do país causam desconforto e preocupação. E ponderando que a alta dos preços se deve aos gargalos logísticos e problemas do lado da oferta de alguns bens e serviços, disse que ela está levando um tempo maior do que o esperado para se normalizar, ele afirmou durante discurso para membros do banco:
“Este é um choque atravessando o sistema associado à reabertura da economia, e isso impulsionou a inflação bem acima dos 2%, e é claro que não estamos confortáveis com isso. O desafio que estamos enfrentando é como reagir a esta inflação, que é maior do que esperávamos – ou que qualquer um esperava. E enquanto pensarmos que ela é temporária, não seria apropriado reagir a ela. Mas conforme ela se mostra mais e mais longa, teremos de reavaliar os riscos”.
Outro fator importante nos EUA é que o Congresso encontra-se divido devido as tensões políticas que impendem um acordo sobre o projeto que suspende o teto da dívida até 2022. Sendo assim, consequentemente pode ocorrer um “shutdown”, que em linhas gerais é a paralisação do governo em decorrência da falta de aprovação do atual ano fiscal. Neste cenário há um congelamento das atividades governamentais e serviços que deve perdurar até a aprovação. Para a secretária do Tesouro Janet Yellen o país pode no dia 18 de outubro ficar com recursos limitados e registrar seu primeiro default.
“Sem a elevação do teto, os EUA ficarão com limitados recursos em 18 de outubro e terão o primeiro default de sua história, o que gerará crise e recessão. É necessário evitar um evento catastrófico. Minha esperança é que vamos trabalhar junto com o Congresso para evitar um desastre.”
China
A declaração da incorporadora chinesa Evergrande de que poderia não honrar com suas obrigações financeiras, também contribuiu com o cenário. Este risco de calote derrubou as bolsas mundiais e consequente o Ibovespa, cuja ação com maior volume de negociação é a da Vale, produtora de minério de ferro que tem o mercado chinês, como seu principal destino de exportações. A empresa representa um conglomerado imobiliário e é a segunda maior companhia de construção civil chinesa. Estimativas indicam que seu passivo é maior que US$ 300 bilhões. O grupo tem dívidas junto aos fornecedores, credores e investidores do exterior, além de compradores que não receberam seus imóveis.
O pânico que tomou conta dos mercados se deu devido às preocupações iniciais desta crise se estender sobre o mercado imobiliário chinês e repetisse o que aconteceu em 2008 com a quebra nos EUA do banco Lehman Brothers, evento que desencadeou uma crise financeira internacional. No entanto, o banco americano figurava entre os principais bancos internacionais e possuía operações com bancos relevantes ao redor do globo, já a Evergrande, apesar do seu potencial tem suas atividades restritas a China.
Contundo, os riscos são elevados e o governo chinês que optou por não agir diretamente na proteção da empresa, movimento que deve ser lido como um recado para outros gestores corporativos, adota medidas na direção de assegurar proteção para o setor imobiliário.
Europa
Na Europa os indicadores de inflação seguem reportando avanços significativos, mas para a presidente do BCE (Banco Central Europeu), Christine Lagarde, a instituição deve adotar um comportamento cauteloso frente a retirada dos estímulos, pois considera este movimento como um pico inflacionário com características transitórias:
“Não há sinais de que este aumento da inflação esteja se generalizando em toda a economia. O principal desafio é garantir que não tenhamos uma reação exagerada a choques transitórios de fornecimento que não afetem o médio prazo. E assim que esses efeitos da pandemia passarem, esperamos que a inflação caia” , disse Lagarde, durante uma conferência do BCE nesta terça-feira (28).
Contudo, é crescente o número de autoridades do banco que consideram elevado o risco de que o aumento de preços supere as projeções, que em agosto atingiu 3% ficando acima da meta de 2% e podendo alcançar 3,5% em novembro, quando então as expectativas indicam que ela fique abaixo dos 2%. A conjuntura da região com o avanço dos preços das commodities, a escassez de mão de obra e os gargalos da oferta são os grandes desafios a serem contornados.
Brasil
No Brasil o início do mês foi marcado pelas preocupações sobre os riscos de uma ruptura institucional por conta dos desdobramentos das manifestações do 7 de setembro, no entanto, os dias que se seguiram após os atos foram na direção de um entendimento mínimo entre os poderes.
A inflação segue acarretando impactos e gerando ruídos no mercado ampliados pelo risco fiscal. No último Relatório Focus divulgado no dia 27, pela 25ª as estimativas para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a métrica oficial para a inflação subiu novamente de 8,35% para 8,45%. Com o impacto dos combustíveis em agosto a inflação avançou 0,87%, sendo este o maior valor para o mês desde o ano 2000. No ano, já acumula de 5,67% e para os últimos 12 meses 9,68%, maior valor acumulado desde o mês de fevereiro de 2016 quando alcançou 10,36%.
Ainda sem a aprovação da PEC dos precatórios que viabilizará o aumento do valor do Bolsa Família, o governo discute a prorrogação do auxílio emergencial até abril de 2022 e considerando a trajetória fiscal do país, o relatório trimestral de inflação publicado ontem (30) pelo Banco Central salienta que:
“Novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem elevar os prêmios de risco do país. Apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública, o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”,
Mercado Automotivo
A escassez de componentes em especial os semicondutores seguem impactando a indústria automotiva. As projeções para o mercado automotivo sobre o impacto da crise de abastecimento, conforme o critério estabelecido indicam que entre 240 mil a mais de 500 mil veículos deixarão de ser produzidos no país.
Para o Depec (Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco) a indústria nacional automotiva deixará de vender neste ano algo entre 370 mil e 520 mil unidades de carros. Projeções de especialistas indicam que sem a escassez de peças num cenário otimista o setor poderia estar acima ou segundo ponderações pessimistas apenas 9% abaixo do nível pré-pandemia.
Com expectativas mais conservadoras a Anfavea estima que de 240 mil a 280 mil veículos não devem ser produzidos em decorrências das interrupções nas linhas de montagem. A grande dificuldade enfrentada pelo setor é a falta de chips verificada em todo mundo e os novos surtos de covid-19 oriundos da variante Delta que também comprometem a entrega de outras peças essenciais.
* José Carmo é economista e editor deste site
Fontes
On-line
- Jerome Powell sugere que Federal Reserve definirá retirada de estímulos em novembro – Link
- BCE não deve reagir com exagero a altas da inflação, diz Lagarde – Exame.com – Link
- Lagarde, do BCE, cita gargalos de oferta, alta nos preços de energia e coronavírus como riscos chave – Forbes – Link
- Powell, do Fed, diz ser “frustrante” que gargalos de oferta não melhorem – Época Negócios – Link
- Ibovespa cai com receios fiscais e tem pior mês desde o auge da pandemia – Valor – Link
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