Fonte: Deustche Welle
Rússia Unida obteve cerca de 50% dos votos. Pleito foi marcado pelo banimento de candidatura da oposição e milhares de denúncias de fraude. Aliado de Putin na Tchetchênia obteve mais de 99% dos votos locais.Poucas vezes foi tão fácil ganhar na Rússia um carro ou uma casa: neste fim de semana (18-19/09) a prefeitura de Moscou sorteou 100 automóveis e 20 apartamentos de quarto e sala entre os eleitores. Único requisito para concorrer: votar online num dos 14 partidos autorizados a concorrer a assentos no futuro Duma, a câmara baixa da Assembleia Federal Russa.
“Um milhão de prêmios” era o nome da campanha visando atrair o máximo possível de moscovitas às urnas. Também o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov, concorreu e, com grande efeito midiático, ganhou 10 mil rublos (116 euros ou R$ 725), com os quais ele poderá comprar artigos do dia a dia em supermercados selecionados da capital russa.
Não está claro se a campanha realmente aqueceu a participação eleitoral. Pelo menos, com mais de 45%, ela se manteve no mesmo nível do último pleito legislativo, cinco anos atrás, apesar de todo o desencanto com a política no país.
Além da generosa tômbola, a Comissão Eleitoral Central introduziu algumas novas regras de incentivo: desta vez foi possível votar em três dias, também pela internet – o que para muitos foi certamente uma vantagem, após a súbita queda de temperatura em Moscou. Também o presidente Vladimir Putin, em autoisolamento devido a um surto de covid-19 no Kremlin, votou online.
Duma a serviço de Putin
Após a apuração de mais de 99% das urnas, o partido do governo, Rússia Unida, mais uma vez se afirmou como mais forte entre os 14 concorrentes – o que não foi nenhuma surpresa. Com cerca de 50% dos votos, contudo, sua aprovação ficou cerca de quatro pontos percentuais abaixo do resultado de 2016.
Acrescentem-se os mandatos diretos dos setores eleitorais que novamente asseguraram a Putin maioria absoluta no Duma. Com as apurações ainda em curso, o secretário-geral do Rússia Unida, Andrey Turchak, logo anunciou que, dos 450 assentos, a sigla obtivera pelo menos 315, divididos entre 195 dos 225 mandatos diretos sujeitos a eleição, mais 120 assentos através da lista partidária.
A maioria absoluta na câmara baixa é muito importante para Putin, explicou à DW o cientista político Ilya Grashenkov. Pois a função do Duma é apoiá-lo até a próxima eleição presidencial, em 2024.
Até lá, o chefe do Kremlin terá decidido, após um total de 22 anos como presidente, apenas interrompidos por quatro anos como primeiro-ministro, se se manterá no cargo ou se colocará um sucessor. “Para aprovar o escolhido por Putin, o Duma deve ser o mais leal possível, não ter qualquer conflito com o novo presidente, nem apresentar seu próprio candidato.”
Oposição neutralizada
Segundo Grashenkov, há um forte clima de protesto entre o eleitorado. Após os cortes e reduções ditados pela pandemia, muitos russos estão economicamente debilitados, e reagem com irritação a todas as decisões políticas.
No entanto, ele não conta com protestos de massa, como após as eleições legislativas de 2011 – e isso, embora tanto o resultado das urnas quanto as pesquisas de opinião mostrem que o partido de Putin é consideravelmente menos popular do que dez anos atrás, No entanto, “simplesmente não há mais ninguém capaz de obter o apoio das massas e liberá-las”.
O politólogo se refere, acima de tudo, ao oposicionista Alexei Navalny, atualmente preso. Nem ele, nem seus correligionários podem se candidatar; sua Fundação Anticorrupção (FBK) foi declarada extremista; os colaboradores mais próximos fugiram para o exterior. O que sobrou, foi a estratégia de Navalny de “votação esperta”, que consiste em dar o voto ao candidato oposicionista mais promissor, de modo a enfraquecer o Rússia Unida.
Desta vez, praticamente não houve nenhum observador ocidental independente para atestar até que ponto o pleito foi realmente justo e livre. A Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) decidiu não enviar nenhum observador depois de as autoridades de Moscou reduzirem significativamente sua delegação, supostamente devido ao novo coronavírus.
Observadores russos, como a organização independente Golos, relataram mais de 4.900 casos de fraude eleitoral. Em conversa com a DW, Vitaly Averin, da diretoria da Golos, criticou: “Não se pode chamar estas eleições nem de democráticas, nem de livres. Foram as mais desonestas das últimas décadas.” Segundo Averin, a maior manipulação eleitoral já ocorreu antes da votação, ao se impedirem todos os candidatos oposicionistas e independentes de concorrer.
Para além do Duma em Moscou, o partido de Putin também gerou resultados que colocam em questão a integridade dos atuais pleitos. O atual líder da República da Tchetchênia, Ramzan Kadyrov, do Rússia Unida, obteve nada menos do 99,7% dos votos, cabendo a seus adversários apenas 0,15% e 0,12%, respectivamente.
Fraudes “não afetam resultado”
Também a Comissão Eleitoral Central da Rússia registrou irregularidades no pleito de 2021 para o Duma. Ainda assim, sua presidente, Ella Pamfilova, nega que haja qualquer tendência generalizada, a votação teria sido mais transparente do que nunca: “Podem nos xingar quanto quiserem, mas os esforços dos meus colegas nos últimos seis anos revelaram todos os truques secretos.”
Um deles é o assim chamado vbrosy, detectado pelos observadores eleitorais do partido de oposição Yabloko, o qual consiste em o votante jogar na urna várias cédulas preenchidas. O correspondente da DW em São Petersburgo testemunhou essa prática.
Alguns russos também se surpreenderam ao descobrir, nos locais de votação, que alguém já votara em seu nome. O portal independente de internet Meduza relata que uma mulher de São Petersburgo viu na lista de eleitores o nome de sua filha, a qual, no entanto, vive na China.
Em Chelyabinsk, uma família constatou que alguém já votara por seis de seus membros, inclusive um morto. Nas redes circularam vídeos de urnas eleitorais que abriam tanto na frente quanto atrás.
A Comissão Eleitoral promete investigar todas as ocorrências. Entretanto elas não afetarão o resultado final, já assegurou de antemão um de seus integrantes, Igor Borisov. Afinal, trata-se de “incidentes isolados, que não influenciam de forma alguma os resultados da manifestação da vontade de nossos eleitores”.
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