Proposta para alterar lei vigente prevê que políticos poderão responder pelo crime apenas quando for comprovado que houve intenção. Juristas chamam projeto de “lei da impunidade”.
Fonte: Texto retirado do site Deustche Welle
A Câmara dos Deputados aprovou, em tempo recorde, um projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa e estabelece que funcionários públicos apenas possam responder pelo crime se for comprovado que houve intenção de lesar a administração pública. Críticos e especialistas em direito consideraram a proposta um retrocesso no combate à corrupção, e juristas vêm chamando a nova versão de “lei da impunidade”.
A proposta, aprovada nesta quarta-feira (16/06) pelos deputados, ainda precisa passar pelo Senado. No total, 408 deputados votaram a favor das mudanças, unindo a base governista, oposição e Centrão. Apenas 67 votaram contra. Um dos beneficiados deve ser o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, que já foi condenado em duas ações de improbidade administrativa e é alvo de outras ações. Lira defendeu fortemente a proposta, classificando a lei atual de ultrapassada. Segundo ele, a nova versão da lei evitaria distorções e excessos e garantiria que não fosse feito uso político-eleitoral da lei para cometer injustiças com funcionários públicos.
“Uns vão dizer que o que fizermos é açodamento. Outros vão dizer que é flexibilização. Vão sempre dizer alguma coisa. Mas o importante não é o que dizem. São os nossos atos. Se eles são benéficos para o país, se ajudam a melhorar a vida das pessoas”, afirmou. “Agora vamos separar o joio do trigo. Somente será punido por improbidade quem agir para lesar efetivamente o Estado.” Críticos da lei vigente argumentam que a definição que ela traz de improbidade é ampla demais, dando uma margem muito grande de interpretação. De acordo com o relator da proposta aprovada na Câmara, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), as alterações propostas evitariam que gestores eleitos fossem punidos indevidamente.
“Queremos restringir essa lei para dar mais funcionalidade à administração pública, mais garantias àqueles que propõem políticas públicas e que são eleitos com base nas suas propostas, e que muitas vezes não podem colocá-las em ação, em vigor, porque são impedidos por decisões que nada têm a ver com tentativas de combater a corrupção”, argumentou.
Principais mudanças
Segundo a atual Lei de Improbidade Administrativa – sancionada em 1992 pelo então presidente, Fernando Collor – agentes públicos devem ser nela enquadrados quando as suas condutas atentem contra princípios da administração pública, promovam prejuízos aos cofres públicos, e quando enriqueçam ilicitamente, valendo-se do cargo que ocupam. De acordo com a lei atual, constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa (sem intenção) “que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”.
A alteração da lei para que sejam enquadrados como improbidade administrativa apenas casos em que a intenção do agente público for comprovada é um dos principais pontos do projeto aprovado pelos deputados. Outra alteração diz respeito ao tempo de prescrição, estabelecendo um prazo de oito anos a partir do ato de improbidade, o que poderia significar a prescrição ao fim do mandato. A lei atual prevê que o crime prescreve cinco anos após o fim do exercício do cargo.
Além disso, o projeto aprovado retirou a previsão de pena mínima. O relator do projeto também reduziu a multa civil que pode ser aplicada: de até 100 vezes o valor da remuneração recebida para até 24 vezes. Outra mudança importante com o novo projeto é que o condenado não perde mais a função pública caso tenha mudado de cargo ao longo do processo a que responde. Ou seja, um hoje senador não perde o mandato se for condenado por atos praticados quando ele era, por exemplo, prefeito. Ainda segundo a proposta, o Ministério Público pode ser obrigado a ressarcir acusados caso, ao final do processo, a conclusão seja que não há evidências de improbidade.
“Passar a boiada”
O deputado paulista Kim Kataguiri (Democratas), que votou contra o projeto, criticou o que chamou de aliança entre o petismo e o bolsonarismo. “Impressiona a aliança que foi feita entre o petismo e o bolsonarismo nesse retrocesso, tanto no combate à corrupção, como no combate à negligência na administração pública. O texto já começa excluindo todas as hipóteses de culpa grave”, sustentou Kataguiri. Também contrária à proposta, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), afirmou que, embora seja necessário discutir o assunto, a matéria retira a possibilidade de responsabilizar erros de gestores públicos.
“Este relatório aprovado suprime a responsabilização de condutas que sejam erros grosseiros e causem dano ao erário; não tem pena mínima para suspensão dos direitos políticos; ou seja, é um texto cheio de boas intenções que não significam um bom resultado”, argumentou. O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, batizou o projeto de “Lei da Impunidade” e fez diversas postagens no Twitter com a hashtag #PLdaImpunidadeNÃO.
“O PL 10.887/2018 foi protocolado depois das 17h e em menos de dez minutos já tinha tido urgência de votação aprovada. Péssimo sinal de que foi orquestrado para passar ileso no estilo do governo ‘passar a boiada’. A gente precisa reverter esse retrocesso!”, escreveu.
Em nota, Sarrubbo ressaltou que os termos propostos “podem transformar a Lei da Improbidade na Lei da Impunidade, algo que contraria frontalmente os interesses da sociedade, destinatária última da atuação da nossa instituição”. Para Eduardo Brandão, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), as alterações na Lei de Improbidade podem, além de impunidade, levar à falta de transparência.
“A sociedade espera cada vez mais transparência, cada vez mais combate à corrupção e cada vez mais combate ao mau uso do dinheiro público. Então, é algo na contramão de tudo o que a sociedade espera e isso gera muita preocupação para todos nós”, afirmou, citado pelo Jornal Nacional.
Ubiratan Cazetta, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), também teceu duras críticas à nova versão proposta da lei. “O resultado é muito claro: não investiguem. Só investiguem os casos absolutamente grosseiros de improbidade administrativa. Todos os outros devem ficar do jeito que estão”, disse ao jornal da TV Globo.
lf/as (ABR, Lusa, ots)
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