Fonte: Caos Planejado
Este texto foi retirado da fonte acima citada, cabendo a ela os créditos pelo mesmo.
Por Adriano Paranaíba
Há uma diversidade de estudos que apontam que municípios têm grande necessidade de recursos, e que sempre precisam de verba do Governo Federal. Outra gama gigantesca de estudos demonstram que, sendo o transporte composto por bens públicos, com maior foco no benefício social do que no retorno financeiro, fica inviabilizada a questão do financiamento, tornando seu custeio um grande paradoxo. Como defender, então, que não falta dinheiro?
Partirei de um ponto que muitos enxergam como a origem dos problemas: a questão tributária. O primeiro tabu que precisa ser quebrado é o de que os Municípios são mais prejudicados que os estados ou que a União na distribuição dos impostos. Os impostos e tributos que cabem aos municípios são os que possuem a maior estabilidade de receita. Os Estados dependem do desempenho do comércio, recebendo impostos como o ICMS ou o IPVA. A União depende do comportamento da renda, que também está ligada à atividade econômica. Enquanto isso, os municípios dependem, principalmente, da arrecadação do IPTU, que incide sobre imóveis — que, com ou sem crise, continuarão existindo. Por que o senso comum é o oposto disso? Mesmo sendo um imposto que a maioria das prefeituras do Brasil adota como regime progressivo — ou seja, a alíquota varia de acordo com o valor do imóvel — o IPTU costuma ter um altos índices de inadimplência. As prefeituras de Palmas e Manaus, por exemplo, registraram, em 2015, inadimplência de 44% e 50%, respectivamente. O grande desafio das prefeituras está em mostrar ao cidadão a importância desta contribuição. Infelizmente, muitas delas buscam esse imposto de forma coerciva, ameaçando tomar a propriedade dos inadimplentes.
Acredito que a forma como é pensada o IPTU causa esta sensação de injustiça. Visto que o valor do imóvel é calculado por meio de estimativas durante a definição do Plano Diretor, o que se percebe é que, se a prefeitura estiver precisando de mais arrecadação, ela acaba revisando o Plano Diretor com o objetivo de aumentar o imposto, sem explicar ao cidadão o porquê disto estar ocorrendo. É necessário que a prefeitura deixe claro que o IPTU é uma fonte de recursos para prover mobilidade urbana — e não é fazendo campanha publicitária que ela vai conseguir isso. Para implantar projetos de mobilidade urbana, as prefeituras, sem recursos do IPTU, acabam por demandar empréstimos — seja do Governo Federal, seja de Agências de Cooperação Internacional (BIRD e Banco Mundial). No final das contas, o aumento do valor de IPTU é inevitável, para pagar os empréstimos contraídos.
Alguns países já possuem uma forma mais inteligente de estruturar seus impostos sobre a propriedade, beneficiando a mobilidade urbana e deixando claro aos cidadãos onde o dinheiro dos impostos sobre propriedade está sendo investido.
Uma ferramenta de financiamento de origem urbanística que vem sendo utilizada no investimentos em mobilidade urbana é a Operação Urbana Consorciada. Nesta modalidade, o setor público, ao definir o zoneamento urbano, estabelece, no Plano Diretor, a relação entre área edificável e área do terreno. Esse quociente é chamado de coeficiente de aproveitamento básico (CAB). Sobre o coeficiente de aproveitamento é oferecida a possibilidade de edificar acima do CAB, constituindo um potencial adicional construtivo, mediante uma contrapartida, que é a Outorga Onerosa do Direito de Construir. Esse, tal qual um potencial adicional construtivo, é convertido em títulos mobiliários, os Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), que são vendidos em leilões ou licitações públicas, fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O problema atual no Brasil é que o mercado secundário nacional de negociação desses títulos ainda é incipiente: como exemplo, o Porto Maravilha, na cidade do Rio de Janeiro, precisou contar com a alavancagem da Caixa Econômica Federal na compra desses títulos, e atualmente enfrenta problemas na vendas dos CEPACs.
Para resolver esse problema não é necessário reinventar a roda. Alguns países já possuem uma forma mais inteligente de estruturar seus impostos sobre a propriedade, beneficiando a mobilidade urbana e deixando claro aos cidadãos onde o dinheiro dos impostos sobre propriedade está sendo investido. Os melhores exemplos são conhecidos por Land Value Capture, ou, em bom português, Ganhos em Valores das Propriedades.
O objetivo central do Ganho em Valores das Propriedades é possibilitar que o poder público recupere o dinheiro investido em transporte com o aumento no valor dos imóveis que seguirá esse investimento — valorizando a oferta local de serviços públicos, melhorando acessibilidade ou construindo, por exemplo, uma linha de metrô. Dessa forma, a cobrança do IPTU poderia variar conforme a valorização do próprio imóvel pelos benefícios decorrentes das obras realizadas, pautados na variação do valor do imóvel, e não na necessidade de fluxo de caixa da Prefeitura.
Existem três mecanismos para adquirir ganhos em valores de propriedades: (i) Betterment Tax (taxas de melhorias); (ii) Tax Increment Financing (financiamento do incremento do imposto), e; (iii) Joint Development Mechanism (mecanismo de desenvolvimento conjunto).
As taxas de melhorias (Betterment Tax) são calculadas a partir da melhoria de acessibilidade e da redução de congestionamento, cobradas diretamente dos proprietários de imóveis das áreas beneficiadas. A vantagem neste mecanismo está na redução da carga de financiamento para realizar essas melhorias. O metrô de Hong Kong é lucrativo desde 1982, em grande parte devido ao aumento do valor da terra ao longo das suas linhas.
O financiamento do incremento do imposto (Tax Increment Financing) é um mecanismo baseado no uso antecipado de futuros aumentos de receita, com impostos para financiar melhorias de infraestruturas hoje. Em Chicago, por exemplo, a estação Washington Randolph e o metrô Dearborn Metro-Lake / Wells receberam, respectivamente, U$13,5 milhões e U$1,2 milhões de impostos fundos de incremento.
O mais simples dos três (mas não menos importante), o mecanismo de desenvolvimento conjunto (Joint Development Mechanism) funciona com a cooperação e partilha dos custos entre o ente público e o privado. Trata-se de uma colaboração que pode ocorrer em diversas fases do projeto: financiamento, construção, operação ou manutenção. Washington, por exemplo, oferece propriedades para uso residencial e de atividade comercial próximo e acima das estações de metrô, além de promover a venda e o arrendamento de terras, assim como “direitos de ar”, onde terrenos com construções menores vendem seu direito de construir. Em 1999, esses arrecadaram mais de US$ 60.000 mil dólares. Em 2003, foi estimado um acréscimo de cerca de US$ 150 milhões.
Exemplos práticos da Captura de Valor da Propriedade são vistos na Polônia desde 1920, e, mais recentemente, em Chicago, Washington, Londres e Hong Kong, onde os recursos do imposto são direcionados para investimentos e manutenção de transportes.
O uso de Ganho de Valores de Propriedade poderia substituir a coercibilidade das penalidades dos inadimplentes ao incentivar o cidadão a entender a importância desta contribuição: proprietários de imóveis observam o valor da propriedade aumentar pelo incremento de equipamentos urbanos, tornando os imóveis atraentes ao mercado imobiliário, promovendo aumento de procura e de aluguéis. Como um efeito causa e consequência, o aumento da arrecadação do IPTU pode ser visto como resultado espontâneo dos agentes econômicos que movem a cidade: as pessoas.
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